quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A sociedade é para o indivíduo, ou o indivíduo é para a sociedade?

Um problema se oferece à maioria de nós: se o indivíduo é simples instrumento ou fim da sociedade. Vós e eu, como indivíduos, existiremos para sermos utilizados, dirigidos, educados, controlados, ajustados a um certo padrão pela sociedade e pelo governo, ou a sociedade, o Estado, existirão para o indivíduo? O indivíduo é o fim da sociedade; ou apenas um fantoche, que existe para ser ensinado, explorado, massacrado como instrumento de guerra? Eis o problema que está nos desafiando. É o problema do mundo: se o indivíduo é mero instrumento da sociedade, um brinquedo à mercê de influências, pelas quais é moldado, ou se a sociedade existe para o indivíduo.

(...) Se o indivíduo é mero instrumento da sociedade, a sociedade, nesse caso, é muito mais importante que o indivíduo. A ser verdadeira tal afirmação, o que devemos fazer, então, é abandonar a individualidade e trabalhar para a sociedade; todo o nosso sistema educativo terá de ser revolucionado de alto a baixo e o indivíduo convertido num instrumento para ser usado e destruído, liquidado, eliminado. Mas, se a sociedade existe para o indivíduo, a função da sociedade não é então obriga-lo a ajustar-se a um padrão e sim dar-lhe o senso de liberdade, o impulso para a liberdade. Cumpre-nos, pois, averiguar qual das duas é falsa.

(...) Para se achar a verdade relativa a esta questão, é preciso estarmos livres de tudo quanto é propaganda, o que significa estarmos habilitados a estudar o problema independente da opinião. A tarefa da educação se cifra, toda ela, no despertar do indivíduo. Pra perceberdes tal verdade, precisais estar perfeitamente lúcidos, isto é, não deveis depender de guia algum. Quando escolheis um guia, o fazeis porque estais em confusão, e portanto, vossos guias acham-se também confusos, como estamos vendo acontecer no mundo. Consequentemente não podeis esperar orientação ou ajuda de vosso guia.

(...) Creio que quase todos nós reconhecemos a urgência de uma revolução interior, pois só ela pode operar uma transformação radical do exterior, da sociedade... Como produzir uma transformação fundamental, básica, na sociedade — este é o nosso problema; e esta transformação do exterior não pode efetuar-se sem a revolução interior. Uma vez que a sociedade é sempre estática, toda ação, toda reforma que se efetue sem esta revolução interior se torna igualmente estática. Nessas condições, não há esperanças, a menos que haja esta constante revolução interior, porquanto, sem ela, a ação exterior se torna maquinal, torna-se um hábito. A ação resultante das relações entre vós e outrem, entre vós e mim, é a sociedade, e essa sociedade se tornará estática, não terá qualidade vivificante alguma, enquanto não se verificar esta constante revolução interior, uma transformação psicológica criadora. Uma vez que esta constante revolução interior não existe, a sociedade está se tornando sempre estática, cristalizada e, em consequência, tem que se desgastar constantemente.

(...) O que sois interiormente se “projetou” no exterior, no mundo. O que sois, o que pensais, o que sentis, o que fazeis na vossa existência de cada dia, “projetando-se” exteriormente, constitui o mundo em que vivemos... A sociedade é o produto de nossas relações e, se estas são confusas, egocêntricas, interesseiras, limitadas, nacionais, “projetamos” tudo isso e produzimos caos no mundo.

O que sois o mundo é. Vosso problema, pois, é o problema do mundo... Desejamos produzir alteração por meio de um sistema ou de uma revolução das ideias e dos valores, baseada num sistema, esquecendo-nos de que sois vós e sou eu quem cria a sociedade, quem produz a confusão ou a ordem, conforme nossa maneira de viver. Por conseguinte, temos de começar com o que está perto, isto é, dar atenção à nossa existência diária, nossos pensamentos e sentimentos e ações de todos os dias, que se revelam na maneira como ganhamos nosso sustento, em nossas relações com ideias ou crenças... Estamos muito interessados em nosso sustento, em obter empregos, em ganhar dinheiro; estamos muito interessados em nossas relações com a família, com os vizinhos; e estamos muito interessados em ideias e crenças. Ora, se examinarmos bem nossa ocupação, veremos que ela se baseia fundamentalmente na inveja, não sendo apenas um meio de ganhar a vida. A sociedade está construída de tal maneira, que é um processo de constante conflito, constante “vir a ser”. Fundamente-se na ganância, na inveja, na inveja ao superior. Quando o escriturário deseja tornar-se gerente, isso denota que não está interessado somente em ganhar seu sustento, em ter um meio de subsistência, mas em alcançar posição e prestígio. Tal atitude provoca, naturalmente, devastações na sociedade, nas relações. Mas, se vós e eu estivéssemos interessados unicamente no ganho de nosso sustento, em ter um meio de subsistência, haveríamos de achar a maneira correta de ganhar a vida. Um meio não baseado na inveja. A inveja é um dos fatores mais destrutivos nas relações, porquanto a inveja indica desejo de poder, de posição, e conduz, por último, às atividades políticas.

(...) Em que estão baseadas as nossas relações?... Certamente, não no amor, embora falemos de amor. Não se baseiam no amor, porque se houvesse amor, haveria ordem, haveria paz, felicidade, entre vós e mim. Mas, nas relações entre vós e mim, há grande soma de malevolência, que assume forma de respeito. Se fossemos ambos iguais, no pensamento e no sentimento, não haveria respeito, não haveria malevolência, porque seríamos dois indivíduos associados não como discípulo e mestre, não como marido escravizador da esposa, ou esposa escravizadora do marido. Havendo malevolência, há também o desejo de domínio, que suscita inveja, irritação, paixão. Daí, um constante conflito em nossas relações, do qual procuramos escapar, produzindo mais caos e mais sofrimento.

(...) O problema a enfrentar, por conseguinte, é se pode existir uma sociedade de natureza estática e ao mesmo tempo um indivíduo no qual se processe esta constante revolução. Isto é, a revolução na sociedade deve começar pela transformação interior, a transformação psicológica do indivíduo. Quase todos nós desejamos ver uma transformação radical na estrutura da social... Ora, se há uma revolução social, isto é, uma ação visando a estrutura exterior do homem, por mais radical que seja esta revolução social, sua verdadeira natureza é estática, se não houver a revolução interior o indivíduo, sua transformação psicológica. Por conseguinte, para se criar uma sociedade não repetitiva, não estática, não sujeita à desintegração, uma sociedade sempre viva, é imprescindível que haja uma revolução na estrutura psicológica do indivíduo; porque, sem revolução interior — a revolução psicológica — a mera transformação do exterior tem muito pouco sentido. Isto é, a sociedade está se tornando sempre cristalizada, estática, e, por isso, desintegrando-se, constantemente. Por mais leis que se promulguem, e por mais sábias que elas sejam, a sociedade continua sempre no processo de decomposição, porque a revolução deve operar-se interiormente, e não, apenas, no exterior.

(...) Se as relações entre os indivíduos, que é a sociedade não resultarem da revolução interior, então, a estrutura social, uma vez que é estática, absorve o indivíduo e o torna estático, repetitivo... O fato é que a sociedade está sempre a cristalizar-se e a absorver o indivíduo, e que a revolução constante, a revolução criadora, só pode realizar-se no indivíduo, e não na sociedade, no exterior. Quer dizer, a revolução criadora só pode realizar-se nas relações individuais, que constituem a sociedade... Por conseguinte, temos de ser criadores, pois o problema é urgente. Vós e eu devemos perceber claramente as causas do colapso da sociedade, e criar uma nova estrutura, não baseada na simples imitação, e, sim, em nossa compreensão criadora.

(...) Por que está ruindo a sociedade, desmoronando, como não há dúvidas que está? Uma das razões fundamentais é que o indivíduo — vós — deixou de ser criador... Vós e eu nos tornamos imitadores, estamos copiando, exterior e interiormente... Nossa educação, nossa estrutura social, nossa pretensa vida religiosa, esta toda baseada na imitação. Quer dizer, estou ajustado a uma determinada fórmula social ou religiosa. Deixei de ser um verdadeiro indivíduo, e, psicologicamente, tornei-me simples máquina repetitiva, com certas reações condicionadas segundo o padrão da sociedade, seja oriental, seja ocidental, religioso ou materialista.

Uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é, pois, a imitação, e um dos fatores desintegradores é o guia, o líder, cuja essência mesma é a imitação... Quando há imitação, é inevitável a desintegração; quando há autoridade é inevitável a cópia. E já que toda a nossa estrutura mental, psicológica, está baseada na autoridade, faz-se necessário que nos libertemos de autoridades, para podermos ser criadores. Já não notastes que, nos momentos criadores, nesses raros momentos felizes, e de vital interesse, não há senso de repetição, não há senso de cópia? Esses momentos são sempre novos, fecundos, felizes. Vê-se pois que, uma das causas fundamentais da desintegração da sociedade é o copiar, que significa: veneração da autoridade.

Krishnamurti —A primeira e última liberdade

Participe do nosso grupo no Facebook

Participe do nosso grupo no Facebook
Grupo Jiddu Krishnamurti
Related Posts with Thumbnails

Vídeos para nossa luz interior

This div will be replaced