sexta-feira, 28 de setembro de 2012

O Amor


A mente que busca não é uma mente apaixonada, e não buscar o amor é a única maneira de encontrá-lo; encontrá-lo inesperadamente e não como resultado de qualquer esforço ou experiência. Esse amor, como vereis, não é do tempo; ele é tanto pessoal como impessoal, tanto um só como multidão. Como uma flor perfumosa, podeis aspirar-lhe o perfume, ou passar por ele sem o notardes. Aquela flor é para todos e para aquele que se curva para aspirá-la profundamente e olhá-la com deleite. Quer estejamos muito perto, no jardim, quer muito longe, isso é indiferente à flor, porque ela está cheia de seu perfume e pronta a reparti-lo com todos.

O amor é uma coisa nova, fresca, viva. Não tem ontem nem amanhã. Está além da confusão do pensamento. Só a mente inocente sabe o que é o amor, e a mente inocente pode viver no mundo não inocente. Só é possível encontrá-la, essa coisa maravilhosa que o homem sempre buscou sequiosamente por meio de sacrifícios, de adoração, das relações, do sexo, de toda espécie de prazer e de dor, só é possível encontrá-la quando o pensamento, alcançando a compreensão de si próprio, termina naturalmente. O amor não conhece oposto, não conhece conflito.

Podeis perguntar: "Se encontro esse amor, que será de minha mulher, de minha família? Eles precisam de segurança". Fazendo essa pergunta, mostrais que nunca estivestes fora do campo do pensamento, fora do campo da consciência. Quando tiverdes alguma vez estado fora desse campo, nunca fareis uma tal pergunta, porque sabereis o que é o amor em que não há pensamento e, por conseguinte, não há o tempo. Podeis ler tudo isto hipnotizado e encantado, mas ultrapassar realmente o pensamento e o tempo — o que significa transcender o sofrimento — é estar cônscio de uma dimensão diferente, chamada "amor".

Mas, não sabeis como chegar-vos a essa fonte maravilhosa — e, assim, que fazeis? Quando não sabeis o que fazer, nada fazeis, não é verdade? Nada, absolutamente. Então, interiormente, estais completamente em silêncio. Compreendeis o que isso significa? Significa que não estais buscando, nem desejando, nem perseguindo; não existe centro nenhum. Há, então, o amor.

Krishnamurti - Liberte-se do Passado

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Morrer para o ontem



Pensamos que o viver está sempre no presente e que o morrer é algo que nos aguarda num tempo distante. Mas nunca indagamos se essa batalha da vida diária é de fato viver. Queremos saber a verdade a respeito da reencarnação, desejamos provas da sobrevivência da alma, prestamos ouvidos às asserções dos clarividentes e às conclusões das pesquisas psíquicas, porém nunca perguntamos, nunca perguntamos como viver — viver com deleite, com encantamento, com a beleza, todos os dias. Aceitamos a vida tal qual é, com toda a sua agonia e desespero, com ela nos acostumamos, e pensamos na morte como uma coisa que devemos diligentemente evitar. Mas, a morte se assemelha extraordinariamente à vida, quando sabemos viver. Não podeis viver sem morrer. Isso não é um paradoxo intelectual. Para se viver completamente, totalmente, de modo que cada dia seja uma nova beleza, tem-se de morrer para todas as coisas de ontem, pois, de contrário, viveremos mecanicamente, e uma mente mecânica jamais saberá o que é o amor ou o que é a liberdade.

Em geral tememos a morte, porque não sabemos o que significa viver. Não sabemos viver, e por isso não sabemos morrer. Enquanto tivermos medo da vida, teremos medo da morte. O homem que não teme a vida não teme a insegurança, porque compreende que, interiormente, psicologicamente, não existe segurança nenhuma. Quando não há segurança, há um movimento infinito, e então a vida e a morte são uma só coisa. O homem que vive sem conflito, que vive com a beleza e o amor, não teme a morte, porque amar é morrer.

Se morreis para tudo o que conheceis, inclusive vossa família, vossa memória, tudo o que sentistes, a morte é então uma purificação, um processo de rejuvenescimento; traz então a morte a inocência, e só os inocentes são apaixonados, e não aqueles que crêem e que desejam descobrir o que acontece após a morte.

Para descobrirdes o que realmente acontece quando se morre, tendes de morrer. Isso não é pilhéria. Tendes de morrer, não fisicamente, mas psicologicamente, interiormente, morrer para as coisas que vos são caras e para as coisas que vos amarguram. Se morrestes para cada um dos vossos prazeres, tanto os insignificantes como os mais importantes, sem nenhuma compulsão ou discussão, então sabereis o que significa morrer. Morrer é ter uma mente completamente vazia de si mesma, vazia de seus diários anseios, prazeres e agonias. A morte é uma renovação, uma mutação, em que o pensamento não funciona, porque o pensamento é coisa velha. Quando há a morte, há uma coisa totalmente nova. Estar livre do conhecimento é morrer; e, então, estais vivendo!

Krishnamurti

O tempo e o sofrimento


O homem vive do tempo. A invenção do futuro se tornou seu favorito jogo de fuga. Pensamos que as mudanças em nós mesmos só podem ser efetuadas no tempo, que a ordem só pode ser estabelecida em nós mesmos pouco a pouco, aumentada dia por dia. Mas, o tempo não traz a ordem nem a paz e, portanto, temos de deixar de pensar em termos de gradualidade. Isso significa que não há um amanhã em que viveremos em paz. Temos de alcançar a ordem imediatamente. 

Quando se apresenta um perigo real, o tempo desaparece, não é verdade? A ação é imediata. Mas, nós não percebemos o perigo existente em muitos dos nossos problemas e, por conseguinte, inventamos o tempo como um meio de superá-los. O tempo é um embusteiro, porquanto nada faz para ajudar-nos a promover uma mudança em nós mesmos. O tempo é um movimento que o homem dividiu em passado, presente e futuro. E, enquanto fizer essa divisão, o homem viverá sempre em conflito.

O aprender depende do tempo? Após tantos milhares de anos, ainda não aprendemos que existe uma maneira de vida melhor do que odiarmos e matarmos uns aos outros. Muito importa compreender o problema do tempo, se desejamos uma solução para esta vida que cada um de nós contribuiu para tornar tão monstruosa e sem significação como é.

A primeira coisa, pois, que se deve compreender é que só podemos olhar o tempo com aquele vigor e aquela inocência da mente, que já estivemos considerando. Vemo-nos confusos a respeito de nossos numerosos problemas, e perdidos no meio desta confusão. Ora, quando uma pessoa se perde numa floresta, qual a primeira coisa que faz? Pára e olha em torno de si. Mas nós, quanto mais nos vemos confusos e perdidos na vida, tanto mais corremos em todos os sentidos, buscando, indagando, rogando. A primeira coisa que deveis fazer, se me permitis sugeri-lo, é fazer alto, interiormente. E, quando parais, interiormente, psicologicamente, vossa mente se torna muito tranqüila e clara. Podeis então considerar verdadeiramente a questão do tempo. 

Os problemas só existem no tempo, isto é, quando nos encontramos com um fato de maneira incompleta. Esse encontro incompleto com o fato cria o problema. Quando enfrentamos um desafio parcial, fragmentariamente, ou dele tentamos fugir — isto é, quando o enfrentamos com atenção incompleta — criamos um problema. E o problema continua existente enquanto continuarmos a dar-lhe incompleta atenção, enquanto esperarmos resolvê-lo um dia destes.

Sabeis o que é o tempo? — Não o tempo medido pelo relógio, o tempo cronológico, porém o tempo psicológico? É o intervalo entre a idéia e a ação. Uma idéia visa, naturalmente, à autoproteção: a idéia de estar em segurança. A ação é sempre imediata; não é do passado nem do futuro; o agir deve estar sempre no presente; mas a ação é tão perigosa, tão incerta, que preferimos ajustar-nos a uma idéia que nos promete uma certa segurança.

Olhai isso em vós mesmo. Tendes uma idéia do que é certo ou errado, ou um conceito ideológico relativo a vós mesmo e à sociedade, e de acordo com essa idéia ides agir. A ação, por conseguinte, ajusta-se àquela idéia, aproxima-se da idéia, e por essa razão existe sempre conflito. Há a idéia, o intervalo, e a ação. Nesse intervalo encontra-se todo o campo do tempo. Esse intervalo é, essencialmente, pensamento. Quando pensais que amanhã sereis feliz, tendes então uma imagem de vós mesmo a alcançar um certo resultado no tempo. O pensamento, pela observação, pelo desejo, e pela continuidade desse desejo, sustentada por mais pensamento, diz: "Amanhã serei feliz; amanhã terei sucesso; amanhã o mundo será um belo lugar." Dessa maneira, o pensamento cria esse intervalo que é o tempo.

Agora, perguntamos: Pode-se deter o tempo? Podemos viver tão completamente que não haja um amanhã para o pensamento pensar nele? Pois o tempo é sofrimento. Isto é, ontem ou há um milhar de "ontens", amastes ou tínheis um companheiro que se foi, e essa memória perdura e ficais pensando naquele prazer ou naquela dor; estais a olhar para trás e a desejar, a esperar, a lamentar, e, assim, o pensamento, ruminando continuamente aquilo, gera essa coisa que se chama sofrimento e dá continuidade ao tempo. 

Enquanto existir esse intervalo de tempo, gerado pelo pensamento, tem de haver sofrimento, tem de haver a continuidade do medo. Assim, perguntamos a nós mesmos: Pode esse intervalo terminar? Se disserdes: "Terminará ele algum dia?", isso então já é uma idéia, uma coisa que desejais conseguir e, por conseguinte, tendes um intervalo e de novo vos vede na armadilha.

Krishnamurti - Liberte-se do Passado

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Viver com nós mesmos como somos


Nunca as agonias da repressão, nem a brutalidade da disciplina de ajustamento a um padrão conduziram à verdade. Para encontrar-se com a verdade, a mente deve estar completamente livre e sem a mínima deformação.

Mas, primeiramente, perguntemo-nos se desejamos realmente ser livres. Quando falamos de liberdade, estamo-nos referindo à liberdade completa ou à libertação de uma certa coisa inconveniente, desagradável ou indesejável? Gostaríamos de ficar livres de lembranças dolorosas e desagradáveis e de nossas experiências infelizes, conservando, porém, nossas aprazíveis e satisfatórias ideologias, fórmulas e relações. Mas, conservar uma coisa sem a outra é impossível, porque, como já vimos, o prazer é inseparável da dor.

Cabe, pois, a cada um de nós decidir se desejamos ou não ser completamente livres. Se dizemos que o desejamos, temos então de compreender a natureza e a estrutura da liberdade.

É liberdade estar-se livre de alguma coisa — livre de uma dor, de uma espécie de ansiedade? Ou a liberdade, em si, é coisa inteiramente diferente? Podeis estar livre do ciúme, por exemplo, mas não é essa liberdade uma reação e, por conseguinte, liberdade nenhuma? Podeis libertar-vos muito facilmente de um dogma, analisando-o, rejeitando-o, mas o motivo dessa libertação tem sua reação própria, porquanto o desejo de nos livrarmos de um dogma pode dever-se a ter ele caído de moda, já não sendo conveniente. Ou podeis ficar livre do nacionalismo por crerdes no internacionalismo, ou porque sentis que, economicamente, já não é necessário estar-se apegado a esse estúpido dogma nacionalista, com sua bandeira e demais futilidades. Podeis facilmente rejeitá-lo. Ou podeis reagir a um certo líder espiritual ou político que vos prometeu a libertação como resultado de disciplina e de revolta. Mas, terá uma racionalização, uma conclusão dessa espécie, alguma coisa em comum com a liberdade?

Se dizeis que estais livre de uma certa coisa, trata-se de uma reação, que depois se tornará outra reação que produzirá uma outra maneira de ajustamento, uma outra forma de domínio. Dessa maneira, podeis ter uma cadeia de reações e aceitar cada reação como uma libertação. Mas isso não é libertação, porém, apenas, a continuidade modificada de um passado a que a mente está apegada.

A juventude de hoje, como a juventude de sempre, está em revolta contra a sociedade, e isso, em si, é uma coisa boa, mas revolta não é libertação, porquanto o revoltar-se constitui uma reação, reação que estabelece o seu peculiar padrão, no qual ficais enredado. Pensais que se trata de uma coisa nova. Mas não é; é o velho, posto num diferente molde. Qualquer espécie de revolta social ou política reverterá inevitavelmente à boa e velha mentalidade burguesa.

A liberdade só existe quando vedes e agis, e nunca mediante a revolta. Ver é agir, e essa ação é tão importante como a ação que se modifica ao verdes um perigo. Não há então atividade mental, não há discussão nem hesitação; o próprio perigo compele ao ato e, por conseguinte, ver é agir e ser livre.
A liberdade é um estado mental; não é estar livre de alguma coisa, porém um estado de liberdade — liberdade para duvidar e questionar todas as coisas e, portanto, uma liberdade tão intensa, ativa e vigorosa, que expulsa toda espécie de dependência, de escravidão, de ajustamento e aceitação. Essa liberdade implica o estar completamente só. Mas, pode a mente que foi criada numa dada cultura e que tanto depende do ambiente e das próprias tendências descobrir aquela liberdade que é solidão total e na qual não há líderes, nem tradição, e nenhuma autoridade?
A solidão é um estado mental interno, independente de qualquer estímulo ou conhecimento, e não o resultado de alguma experiência ou conclusão. A maioria de nós nunca está só, interiormente. Há diferença entre o isolar-se, o segregar-se, e o estar só, a solidão. Todos sabemos o que significa estar isolado — o levantar uma barreira ao redor de nós para que nunca sejamos molestados, nunca sejamos vulneráveis; ou o cultivar o desapego, que é uma outra espécie de agonia; ou o viver na fantástica torre de marfim de uma ideologia. A solidão é completamente diferente disso.

Nunca estais só porque estais cheio de todas as memórias, todas as murmurações de ontem; vossa mente nunca está livre desses trastes imprestáveis que acumulou. Para ficardes só, tendes de morrer para o passado. Quando estais só, totalmente só, sem pertencer a qualquer família, a nenhuma nação, a qualquer continente em particular, tendes a sensação de ser um estranho. O homem que, dessa maneira, está completamente só, é inocente, e essa inocência é que liberta a mente do sofrimento.

Levamos conosco a carga de tudo o que disseram milhares de pessoas, e das lembranças de todos os nossos infortúnios. Abandonar tudo isso, totalmente, é estar só, e a mente que está só não apenas é inocente, mas também jovem — não no tempo ou na idade, porém juvenil, purificada, viva, qualquer que seja a idade; só essa mente pode ver o que é a verdade, e aquilo que as palavras não podem medir.

Nessa solidão, compreendereis a necessidade de viverdes com vós mesmo tal como sois e não como pensais deveríeis ser ou como fostes. Vede se podeis olhar-vos sem nenhum estremecimento, sem falsa modéstia, medo, justificação ou condenação; vivei com vós mesmo, tal como realmente sois.

Só vivendo intimamente com uma coisa, começais a compreendê-la. Mas, tão logo vos acostumais com ela, tão logo vos acostumais com vossa ansiedade ou inveja ou o que mais seja, já não estais vivendo com ela. Se ides morar perto de um rio, passadas algumas semanas já não ouvireis o som das águas, ou, se tendes um quadro na sala, que vedes todos os dias, após uma semana já o perdestes. O mesmo em relação às montanhas, aos vales, às árvores; o mesmo em relação aos filhos, ao marido, à esposa. Mas, para viverdes com uma coisa, tal como o ciúme, a inveja, a ansiedade, nunca deveis acostumar-vos com ela, nunca deveis aceitá-la. Deveis cuidar dela, como cuidais de uma árvore recém-plantada, que protegeis contra o sol e as intempéries. Tendes de zelar aquela coisa, jamais condená-la ou justificá-la. Assim, começais a amá-la. Quando tendes zelo por ela, já estais começando a amá-la. Isso não significa amar a inveja ou a ansiedade, como há quem o faça, porém, sim, ter o zelo necessário à observação.

Assim, será possível, vós e eu, vivermos com o que realmente somos, sabendo que somos estúpidos, invejosos, medrosos, crentes de que possuímos uma enorme capacidade de afeição, quando não a possuímos, facilmente ofendidos, facilmente lisonjeados e entediados; poderemos viver com tudo isso, sem o aceitar nem rejeitar, porém, tão-só, observando-o, sem nos tornarmos mórbidos, deprimidos ou orgulhosos?

Agora, façamos a nós mesmos mais uma pergunta: Pode essa liberdade, essa solidão, essa entrada em contato com a inteira estrutura daquilo que somos em nós mesmos, ser alcançada mediante o tempo? Isto é, pode a liberdade ser alcançada por meio de um processo gradual? Não pode, evidentemente, porque, tão logo se introduz o tempo, ficais a escravizar-vos cada vez mais. Ninguém pode libertar-se gradualmente. Não é uma questão de tempo.

A pergunta subseqüente é esta: Podeis tornar-vos consciente dessa liberdade? Se dizeis "Sou livre", nesse caso não estais livre. É o mesmo que um homem dizer "Sou feliz". No momento em que diz: "Sou feliz", está vivendo na lembrança de uma coisa passada. A liberdade só pode vir naturalmente, e não pelo crer, desejar, ansiar por ela. Também, não pode ser encontrada mediante a criação de uma imagem do que pensais ser ela. Para encontrar-se com ela, a mente tem de aprender a olhar a vida, esse vasto movimento não sujeito ao tempo, porque a liberdade reside além do campo da consciência.

Krishnamurti — Liberte-se do Passado

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O sistema educacional como fator condicionante

Inquirir e aprender é função da mente. Por aprender não me refiro simplesmente ao cultivo da memória ou o acúmulo de conhecimentos , mas sim a capacidade de pensar de forma sã e clara, sem ilusões, e de partir de fatos e não de crenças e ideais. Não há aprendizagem quando o pensamento origina de conclusões. O simples adquirir informação ou conhecimento não é aprender. A aprendizagem implica o amor de compreender e o amor de fazer uma coisa por si mesma. A aprendizagem só é possível quando não há nenhum tipo de coerção. E a coerção assume muitas formas, não é verdade? Há coerção por meio de influência, por meio de ameaça ou de apego, por meio de encorajamento persuasivo ou de formas sutis de recompensa.

A maioria das pessoas pensa que a aprendizagem é encorajada através de comparações, ao passo que a verdade é precisamente o contrário disso. As comparações produzem decepções e só estimulam a inveja, que se chama competição. Como outras formas de persuasão, a comparação impede a aprendizagem e produz o medo. A ambição também provoca medo. A ambição, seja pessoal ou identificada com o coletivo, é sempre anti-social. A assim chamada ambição nobre no relacionamento é fundamentalmente destrutiva.

É necessário encorajar o desenvolvimento de uma boa mente — uma mente capaz de lidar com as muitas questões da vida como um todo, e que não procure escapar das mesmas, e, desse modo, tornar-se contraditória, frustrada, amargurada e cínica. E é essencial que a mente tome consciência de seu próprio condicionamento, de suas próprias motivações e objetivos.

Visto que o desenvolvimento de uma boa mente é uma de nossas principais preocupações, a forma de ensinar torna-se muito importante. É preciso cultivar a totalidade da mente, e não a mera transmissão de informações. No processo de comunicação de conhecimento, o educador tem de convidar os estudantes à discussão e estimulá-los a inquirir e a pensar de forma independente.

A autoridade, como “aquele que sabe”, não tem lugar no processo de aprendizagem. Tanto o educador como o estudante estão aprendendo, através de seu relacionamento especial um com o outro; mas isso não quer dizer que o educador não deva levar em conta a boa ordem do pensamento. Essa boa ordem não é produzida por meio da disciplina, sob forma de afirmações convictas de conhecimento; mas ela ocorre naturalmente, quando o educador compreende que, ao cultivar a inteligência, é preciso haver uma sensação de liberdade. Isto não quer dizer liberdade para fazer o que se quiser, ou de pensar com espírito de mera contradição. Trata-se da liberdade em que o estudante é ajudado a tomar consciência de suas próprias necessidades e motivações, que lhe são reveladas através de seu pensamento e ação diários.

Uma mente disciplinada nunca é uma mente livre, nem pode ser livre a mente que suprimiu o desejo. Só através da compreensão de todo o processo do desejo é que a mente pode ser livre. A disciplina sempre limita a mente a um movimento dentro do quadro de um sistema particular de pensamento ou de crença, não é verdade? E essa mente nunca é livre para ser inteligente. A disciplina acarreta submissão à autoridade. Ela proporciona a capacidade de agir de acordo com o modelo de uma sociedade que exige capacidade funcional, mas não desperta a inteligência que tenha capacidade própria. A mente que não cultivou nada, senão a capacidade através da memória, é como o moderno computador eletrônico que, embora funcione com assombrosa capacidade e precisão, continua apenas sendo uma máquina. A autoridade pode persuadir a mente a pensar em certa direção. Mas ser guiado a pensar numa determinada maneira, ou em termos de uma conclusão prévia não é absolutamente pensar; é apenas funcionar como uma máquina humana, o que produz irrefletido descontentamento, acarretando decepções e outras misérias.

(...) Qualquer espírito de comparação impede esse florescimento pleno do indivíduo, seja ele um cientista ou um jardineiro. A plena capacidade do jardineiro é idêntica à plena capacidade do cientista, quando não há comparação; mas, quando são feitas comparações, surgem o desprezo e as reações invejosas que criam conflitos entre os homens.

(...) Cumpre aqui fazer uma distinção entre função e status. O status, com todo o seu prestígio emocional e hierárquico, surge apenas da comparação de funções como sendo altas ou baixas. Quando cada indivíduo floresce até sua capacidade plena, passa a não haver comparação de funções; há apenas a expressão de sua capacidade como professor, como primeiro-ministro, ou como jardineiro, e assim o status perde seu aguilhão de inveja.

A capacidade funcional ou técnica agora é reconhecida por se ter um título junto ao próprio nome; mas se estivermos realmente interessados no desenvolvimento total do ser humano, nosso enfoque precisa ser completamente diferente. O indivíduo que tem capacidade pode graduar-se e apor o devido título ao seu nome, ou deixar de fazê-lo, como quiser. Mas ele conhecerá, por si mesmo, suas profundas aptidões, que não serão limitadas por um título, e a expressão delas não acarretará aquela confiança autocentrada que a mera capacidade técnica normalmente produz. Tal confiança é comparativa e, portanto anti-social. A comparação pode existir para fins utilitários; mas o educador não deve comparar as capacidades de seus alunos nem dar-lhes maior ou menor apreço.

(...) Se o aluno for ajudado, desde o princípio, a encarar a vida como um todo, com todos os seus problemas psicológicos, intelectuais e emocionais, não ficará amedrontado com ela.

A inteligência é a capacidade de encarar a vida com uma totalidade; e dar notas ou letras ao aluno não assegura inteligência. Ao contrário; degrada a dignidade humana. Essa avaliação comparativa paralisa a mente — o que não quer dizer que o professor não deva observar o progresso do estudante e manter o registro desse progresso. Os pais, naturalmente ansiosos por saber do progresso dos filhos, desejarão ter um relatório; mas se, infelizmente, eles não puderem entender o que o educador está procurando fazer, esse relatório tornar-se-á um instrumento de coerção no sentido de produzir os resultados que eles desejam, e desse modo anulará o trabalho do educador.

Os pais precisam entender o tipo de educação que a escola tenciona proporcionar. Em geral eles se satisfazem em ver os filhos sendo preparados para obter um diploma que lhes assegure a sobrevivência. Muito poucos estão interessados em algo mais que isso. É claro que desejam ver os filhos felizes; mas, além desse vago desejo, bem poucos fazem qualquer tipo de reflexão acerca do desenvolvimento total deles. Visto que a maioria dos pais deseja, acima de tudo, que seus filhos tenham uma carreira de sucesso, eles os ameaçam ou induzem afetuosamente a adquirir conhecimento, e assim o livro se torna muito importante; com isso, vem o mero cultivo da memória, a mera repetição, sem a qualidade do verdadeiro pensamento por trás dela.

Talvez a maior dificuldade que o educador tenha de enfrentar seja a indiferença dos pais em relação a uma educação mais ampla e mais profunda. A maioria dos pais está interessada apenas no cultivo de algum conhecimento superficial, que assegura aos seus filhos posições respeitáveis numa sociedade corrupta. Assim sendo, o educador não só tem de educar as crianças de maneira certa, como ainda precisa evitar que os pais anulem qualquer benefício porventura produzido na escola. Na verdade, a escola e o lar devem ser centros conjuntos da educação correta, não devendo, de modo algum, opor-se um ao outro, desejando os pais uma coisa e o educador algo inteiramente diferente... O total desenvolvimento da criança só pode ocorrer quando houver um relacionamento correto entre professor, aluno e pais... A aprendizagem é facilitada quando há uma atmosfera de afeição feliz e de consideração humana.

Franqueza emocional e sensibilidade só podem ser cultivadas quando o estudante se sente seguro em seu relacionamento com os professores. A sensação de segurança nos relacionamentos é uma necessidade primordial da criança. Há grande diferença entre a sensação de segurança e a sensação de dependência. Conscientemente ou não, a maioria dos educadores cultiva a sensação de dependência, e desse modo encoraja sutilmente o medo — o que os pais também fazem, à sua própria maneira, afetuosa ou agressiva. A dependência na criança é proporcionada mediante asserções autoritárias ou dogmáticas por parte dos pais e dos professores no tocante ao que a criança deve ser ou fazer. Com a dependência sempre há a sombra do medo, e esse medo obriga a criança a obedecer, a conformar-se, a aceitar sem discutir os editos e as sanções de seus maiores. Nessa atmosfera de dependência, a sensibilidade é esmagada; mas quando a criança sabe e sente que está segura, seu desenvolvimento emocional não é distorcido pelo medo.

Essa sensação de segurança por parte da criança não é o oposto de insegurança. É a sensação de estar à vontade, seja no lar ou na escola; a sensação e que ela pode ser o que ela é, sem sofrer nenhum tipo de compulsão; de que pode trepar numa árvore e não ser recriminada se cair. Ela só pode ter essa sensação de segurança quando seus pais e educadores estiverem profundamente interessados em seu bem-estar total.

É importante que numa escola a criança se sinta à vontade completamente segura, desde o primeiro dia de aula. Essa primeira impressão é da mais alta importância... O primeiro impacto desse novo relacionamento baseado na confiança, que a criança talvez nunca tenha tido antes, ajudará a promover uma comunicação natural, sem que os jovens encarem os mais velhos como uma ameaça a recear. Uma criança que se sinta segura tem seus próprios meios naturais de exprimir o respeito, que é essencial ao aprendizado. O respeito é isento de toda autoridade e de todo medo... É somente nessa atmosfera de segurança que podem florescer a franqueza emocional e a sensibilidade. Estando à vontade, sentindo-se segura, a criança fará o que melhor lhe parecer; mas, ao fazê-lo, descobrirá qual é a coisa certa a fazer, e sua conduta, então, não se deverá à resistência ou à obstinação, nem a supressão de sentimentos ou à mera expressão de uma necessidade momentânea.

Ter sensibilidade significa ser sensível a tudo que nos cerca — às plantas, aos animais, às árvores, ao céu, às águas dos rio, aos pássaros; e também ao estado de humor das pessoas que nos cercam, e aos estranhos pelos quais passamos. Esta sensibilidade acarreta a qualidade de reação não calculada, não egoísta, que é a verdadeira moral e a verdadeira conduta. Sendo sensível, a criança será franca, não será retraída em sua conduta; portanto, uma simples sugestão por parte do professor será aceita com facilidade, sem resistência nem atrito.

Krishnamurti — O verdadeiro objetivo da vida

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

É possível educar nossos filhos sem condicioná-los?


Pergunta: É possível educarmos os nossos filhos sem condicioná-los, e, se o é, de que maneira? Se não existe, uma coisa tal, como “condicionamento bom” e “condicionamento mau”? Tende a bondade de responder incondicionalmente (risos).

Krishnamurti: É possível educar as crianças, sem condicioná-las? Achais possível? Eu não acho. Tende a bondade de escutar; vamos investigar juntos. Antes, porém, liquidemos a última parte da pergunta — se há “bom condicionamento” e “mau condicionamento”. Por certo, há apenas condicionamento, sem que seja “bom” ou “mau”. Podeis achar que é um “bom condicionamento” crer em Deus, mas na Rússia comunista dir-se-á que é um “mau condicionamento”. O que chamais “bom condicionamento” outro poderá chamar de mau, o que é um fato muito óbvio. Esta questão, portanto, pode ser liquidada muito facilmente.

Resta a outra questão: Pode-se educar as crianças, sem condicioná-las, sem influenciá-las? Ora, tudo o que as cerca está a influenciá-las. O clima, a alimentação, as palavras, os gestos, as conversas, as reações inconscientes, as outras crianças, a sociedade, as escolas, os livros, as revistas, os cinemas — tudo está a influenciar a criança. E pode-se acabar com tal influência? Impossível, não achais? Podeis não desejar influenciar, condicionar, o vosso filho; mas, inconscientemente, o estais influenciando, não estais? Tendes as vossas crenças, vossos dogmas, vossos temores, vossos princípios morais, vossos planos, vossas ideias sobre o que é bom e o que é mau, e, assim, consciente ou inconscientemente, estais moldando a criança. E se vós não o fazeis, a escola o fará, com os seus livros de História, que falam dos heróis maravilhosos que nós temos e outros povos não têm, etc. etc. Tudo isso está a influenciar as crianças, e, portanto, precisamos, em primeiro lugar, reconhecer este fato evidentemente.

O problema, agora, é este: podemos ajudar a criança a desenvolver-se para investigar inteligentemente todas as influências? Estais compreendendo? Sabendo-se que a criança está influenciada por tudo o que a cerca, tanto no lar como na escola, pode-se-lhe prestar a necessária assistência, a fim de a capacitarmos a investigar todas as influências e nunca se deixar dominar por nenhuma delas? Se tendes realmente a intenção de ajudar o vosso filho a investigar todas as influências, a vossa tarefa será dificílima, não é verdade? Porque isso exige não só o exame de vossa própria autoridade, mas de todo o problema da autoridade, do nacionalismo, da crença, da guerra, do militarismo — um exame completo da coisa, o que significa: cultivar a inteligência. E quando existe essa inteligência e a mente já não aceita nenhuma autoridade nem se deixa ajustar, por medo, aos padrões vigentes — então, toda influência é devidamente examinada e posta a parte. Por conseguinte, a mente não fica condicionada. Ora, isto é possível, não? E a função da educação não consiste, justamente, em cultivar esta inteligência, que é capaz de examinar objetivamente qualquer influência, de investigar todo o “background” ¹tanto nos níveis imediatos como nos mais profundos, de modo que a mente nunca esteja sujeita a condicionamento algum?

Afinal de contas, todos estamos condicionados pelo nosso “background”; nós somos esse “background”, constituído pela nossa tradição cristã, por essa extraordinária vigilância por parte da mente, não é exato? O homem religioso não é americano, nem inglês, nem hindu,  e sim um ente humano; não pertence a nenhum grupo, raça ou cultura, e por conseguinte é livre para descobrir o que é verdadeiro, o que é Deus. Cultura alguma pode ajudar o homem a descobrir o Verdadeiro. As culturas só criam organizações pata agrilhoar o homem. Importa, por conseguinte, investigar tudo isso, não só o condicionamento consciente, mas também — o que é muito mais importante — o condicionamento inconsciente da mente.

E o condicionamento inconsciente não pode ser examinado superficialmente pela mente consciente. Só quando a mente está de toda quieta, pode ser revelado o condicionamento inconsciente — não num dado momento, mas a qualquer hora: quando damos um passeio a pé, ou viajamos num ônibus, ou conversamos com um amigo. Havendo a intenção de descobrir, ver-se-á que o condicionamento inconsciente sairá aos jorros, e estarão assim abertas as portas para o descobrimento.

Krishnamurti — Realização sem esforço – pág. 70 à 73 — 20 de agosto de 1955  
     

Compreendendo a mediocridade de nossa mente



Um dos problemas graves, sobre que quase todos já devemos ter refletido, é o referente ao controle da mente; porque, pode-se ver que, sem um profundo, racional e equilibrado controle da mente, não pode haver a conservação da energia, essencial para se fazer qualquer coisa e, principalmente, quando se trata da chamada busca — busca da Verdade, da Realidade, de Deus, etc. É sabido, penso eu, que esta estabilidade da mente é necessária para se poder penetrar os problemas fundamentais que uma mente superficial é incapaz de atender. E, no entanto, a dificuldade está em como controlar a mente, não achais? Muitos sistemas de disciplina, várias seitas religiosas e comunidades monásticas sempre têm preconizado o controle absoluta da mente; e nesta tarde pretendo investigar se é possível tal coisa e como pode ser criada essa absoluta estabilidade mental. Estou empregando a palavra “absoluto” no sentido correto, no significado de controle completo, total, da mente. Como disse, é muito importante haver essa estabilidade, porque nesse estado não há conflito, não há dissipação, nem distração de espécie alguma; por conseguinte, ela gera uma energia extraordinária, e essa mente, achando-se perfeitamente equilibrada, é capaz de profunda e radical penetração.

Ora, pode uma mente medíocre, por mais que controle, que domine e discipline a si mesma, tornar-se estável? Em geral, a nossa mente é estreita, limitada, cheia de preconceitos, vulgar, e uma mente vulgar está sempre ocupada com coisas superficiais, com um serviço, com disputas, ressentimentos, cultivo de virtudes, tagarelices, sua própria evolução e seus próprios problemas. E pode essa mente, por mais que controle e discipline a si mesma, tornar-se livre para poder ser estável? Porque, sem liberdade, é bem de ver que a mente não pode ser estável.

Isto é, a mente que está a lutar por sucesso, por um resultado, a procurar no escuro uma coisa que não pode possuir, é essencialmente estreita, condicionada, limitada e, por causa desse próprio esforço, inferior; e, por mais que ela tente tornar-se estável pelo controle de si mesma, pode essa mente gerar aquela energia essencial oriunda de uma estabilidade profunda, fundamental, ou só criará mais uma série de limitações, mais mediocridade? Espero vos esteja mostrando com clareza o problema.

Se minha mente é nacionalista, se ela está acorrentada por inumeráveis crenças, superstições, temores, presa nas redes da inveja, de ressentimentos, da crueldade por palavras, por gestos ou pensamentos — essa mente, por mais que se esforce para pensar em algo além de si própria, permanecerá limitada. O problema, pois, é de como quebrar esse estado de mediocridade da mente, não achais? Esta é uma das questões fundamentais, e se ela está clara, agora, podemos continuar, para descobrir o que significa ter um controle completo da mente.

Para se descobrir o que é a Verdade, o que é Deus — ou o nome que quiserdes dar — necessita-se evidentemente de enorme energia, e, na busca dessa energia, praticamos toda a sorte de absurdos. Ou nos recolhemos aos mosteiros, ou nos tornamos maníacos de regimes alimentares ou procuramos controlar nossas paixões e apetites, esperando, desse modo, canalizar a energia e achar algo além da mente. Afinal, é isto que a maioria de nós está tentando fazer, de diferentes maneiras. Estamos procurando controlar nossos pensamentos, nossos desejos, cultivar virtudes, prestar atenção às nossas palavras, nossos atos, etc., com a intenção de nos tornarmos cidadãos bons, respeitáveis, ou com a esperança de canalizar toda essa extraordinária vitalidade do desejo, a fim de descobrirmos o que existe além. Mas, por mais que lutemos, não poderemos descobrir tal coisa, enquanto não compreendermos a mediocridade de nossa mente. Quando a mente medíocre busca a Deus, o seu Deus será também medíocre, é claro; sua virtude será mera respeitabilidade. Assim, é possível quebrar essa mediocridade? Está clara a questão? Bem, então continuemos.

Nossa mente é medíocre, invejosa, gananciosa, medrosa, quer o admitamos, quer não. Ora, que é que faz a mente medíocre? Sem dúvida, a mente é estreita, limitada, superficial, medíocre, enquanto é gananciosa. Poderá renunciar às coisas mundanas e se tornar gananciosa de sapiência, de sabedoria — mas continuará medíocre, porque no seu esforço aquisitivo ela desenvolve a vontade de conseguir, de ganhar, e essa própria vontade de conseguir constitui sua mediocridade.

Posso dizer agora alguma coisa a respeito da atenção? A atenção é muito importante, mas a atenção é de todo diferente da concentração ou absorção numa coisa. Uma criança se absorve num peão; o brinquedo a atrai, e ela lhe dá a sua mente. Isto é o que acontece, não é verdade? O objeto atrai a mente, absorve a mente, ou então, a mente absorve o objeto. Se estais interessado numa certa coisa, o objeto de vosso interesse é tão atraente, que vos absorve; ao passo que, se deliberadamente vos concentrais numa coisa, o que é outra forma de absorção, então sois vós que absorveis o objeto, não é exato?

Ora, eu estou falando de coisa completamente diferente. Refiro-me a uma atenção que não há objeto de espécie alguma, em que não há luta, nem conflito, uma atenção em que nem vos deixais absorver, nem procurais concentrar-vos em coisa alguma. Quando escutais o que se está falando aqui, estais procurando compreender e vosso escutar tem um objeto; por isso há esforço, tensão, e não uma atenção livre de toda tensão. Isto é um fato, não é? Se desejais escutar uma coisa, não deve haver tensão nenhuma, nenhum esforço, nenhum objeto que atraia a vossa atenção e vos absorva, porque, de outro modo, estais apenas sendo hipnotizados pelas palavras que estais ouvindo, por uma personalidade, uma estultícia qualquer. Se observardes atentamente esse processo de absorção, vereis que nele há sempre conflito, tensão, esforço para se alcançar alguma coisa; ao passo que, na atenção, não há nenhum objeto especial, estais apenas ouvindo, assim como se ouve uma música distante ou as notas de uma canção. Nesse estado estais completamente sem tensão, atento, não há esforço algum.

Assim, pois, se posso sugeri-lo, procurai estar atentos, enquanto aqui estais a escutar o que se está dizendo. O que estou dizendo poderá ser difícil e talvez novo, e portanto causar certa perturbação; mas se fordes capazes de escutar com aquela atenção livre de tensão, não ficareis mentalmente agitados, embora possais sentir-vos perturbados num sentido diferente, o que talvez seja bom. O que estou dizendo é uma coisa que muito importa compreender.: Estou dizendo que a mente deve ser completamente estável. Mas, essa estabilidade não pode efetivar-se quando a mente se esforça para se tornar estável, porque a mente, a promotora do esforço, é, por natureza, limitada, insignificante. Pode a mente possuir conhecimentos enciclopédicos, ser capaz de discussões sutis e possuir vasta acumulação de técnica, mas permanecerá essencialmente limitada enquanto tiver suas bases no senso de aquisição e, por conseguinte, no cultivo da vontade, isto é, enquanto existir nela o “eu”, a entidade que adquire, que faz esforço, que guarda e acumula. A mente poderá pensar em Deus, disciplinar a si mesma, tentar controlar os seus vários desejos, a fim de se tornar virtuosa, a fim de possuir mais energia para a busca da Verdade, etc.; mas, essa mente estreita, limitada, nunca poderá ser livre e, portanto, estável.

Nosso problema, por conseguinte, é de como quebrar essa limitação mental. Está clara a questão? Se está clara, o que vos cabe então fazer? Vê-se a necessidade de uma mente muito estável, profunda, tranquila, uma mente perfeitamente controlada — mas não controlada por uma entidade que diz “Preciso controla-la”. Compreendeis? Isto é, percebo a importância de se ter uma mente estável. Pois bem. Como criar essa estabilidade? Se outra parte da mente disser: “Preciso ter uma mente estável”, criará conflitos, lutas para controlar e subjugar, não é verdade? Uma parte da mente dita à outra parte, tentando impedi-la de divagar, controlando-a, moldando-a, disciplinando-a, reprimindo várias formas de desejo; e temos, assim, um conflito incessante, não é exato?

Ora, a mente que se acha em conflito, é, na sua própria essência, limitada, porque o seu desejo é adquirir alguma coisa. Desejando adquirir uma mente estável, dizeis: “Tenho de controlar a minha mente, moldá-la, repelir todos os desejos em conflito”; mas, enquanto existir em nosso pensar esse processo dual, tem de haver conflito, e esse próprio conflito denota limitação, porque é produto do desejo de ganhar alguma coisa. Assim, pode a mente obliterar, esquecer de todo o processo de aquisição, de adquirir uma mente estável, a fim de achar Deus ou o que quer que seja? Isto é, podeis enquanto estais ouvindo, perceber, imediatamente, a verdade do que se está dizendo? Estou dizendo que é necessária completa e absoluta estabilidade da mente, e que qualquer tentativa para se conquistar tal estado indica que a mente está dividida e está a dizer: “Ótimo! Preciso de estabilidade, deve ser uma coisa maravilhosa”; em vista disso, começa a esforçar-se para alcançar esse estado, recorrendo à disciplinas, controles, várias formas de sanção, etc. Mas, se a mente for capaz de escutar a verdade daquela asserção, perceber a verdade daquela asserção, perceber a absoluta necessidade de controle completo, vereis então que não há mais esforço algum para se alcançar um estado.

Isto é difícil demais? Receio que o seja, porque, em geral, nós pensamos em termos de esforço, havendo sempre uma entidade que faz esforço, visando a um resultado, e por esta razão há conflito. Ouvis a asserção de que a mente deve ser absolutamente estável, controlada ou lestes e refletistes sobre isto e dizeis: “Preciso alcançar esse estado”, e procurais então alcançá-lo por meio de controle, de disciplina, meditação, etc. Nesse processo há esforço, ajustamento, observância de padrão, criação da autoridade, e as muitas complicações daí resultantes. Ora, todo esforço para alcançar um resultado, todo desejo de adquirir um estado, torna a mente limitada, e essa mente nunca poderá ser livre, para ser estável. Se se perceber bem claramente a verdade a esse respeito, não existe então uma estabilidade absoluta da mente? Compreendeis?

Por outras palavras: Vê-se bem claro ser necessário energia para qualquer espécie de ação. Mesmo se desejais ser um homem rico, tendes de devotar a vossa vida a esse fim, nele concentrar toda a vossa energia. E para se achar aquilo que está além das atividades, dos movimentos da mente — o que implica extraordinária profundeza de autoconhecimento — a energia concentrada é uma necessidade essencial. Ora, como se pode gerar essa energia concentrada?  

Reconhecendo que temos necessidade dela, dizemos: “Tenho de controlar meu temperamento, tomar alimentos adequados, evitar os excessos sexuais, refrear minhas paixões, apetites, desejos” — isto é, estamos sempre a escapar por tangentes. Tudo isso são tangentes, porque no centro, somos muito pobres. Enquanto a mente está a pensar em termos de adquirir alguma coisa, alcançar resultados, é ambiciosa, e a mente ambiciosa tem de ser, por natureza, limitada e superficial. Essa mente, tal como a do homem mundano, ambicioso, tem, sem dúvida nenhuma, uma certa carga de energia; mas nós estamos interessados numa coisa que exige energia muito mais profunda, mais ilimitada, e uma total ausência de “ego”.

Temos sido condicionados, através de séculos — religiosa, social e moralmente — para controlar, moldar a nossa mente de acordo com um certo padrão, ou seguirmos certos ideais, a fim de conservarmos a nossa energia; e pode a mente libertar-se dessas coisas, sem esforço algum, e entrar no mesmo instante num estado de tranquilidade total, completa estabilidade? Tal estado não está sujeito a distração de espécie alguma. Só há distrações, quando queremos seguir uma certa direção. Quando uma pessoa diz: “Tenho de pensar nisto, e em nada mais” — então, tudo o mais constitui distração. Mas se estamos atentos, completamente, com aquela atenção que não se fixa em objeto algum — já que não existe mais processo de aquisição, exercício da vontade, visando a um resultado — então a mente se verá num estado de extraordinária estabilidade, tranquilidade interior; e só a mente tranquila é livre, para descobrir ou deixar manifestar-se a Realidade.

Krishnamurti – Realização sem esforço – pág. 62 à 68 – 20 de agosto de 1955       

terça-feira, 4 de setembro de 2012

É possível libertar a mente de TODO E QUALQUER condicionamento?

Temos um grande número de graves problemas, no mundo inteiro, e ainda que venham a criar-se "Estados de Bem-Estar” e os políticos consigam estabelecer uma paz superficial de coexistência, com prosperidade econômica, num país como este, onde o contínuo desenvolvimento da produção industrial promete um futuro feliz, não creio que os nossos problemas possam ser resolvidos com tanta facilidade. Nós desejamos que eles sejam resolvidos, mas esperamos que os outros os resolvam: os instrutores religiosos, psicanalistas, os guias ou líderes; e também confiamos na tradição ou apelamos para os livros e filosofias. E parece-me que é por esta razão que vos achais aqui: para que vos indiquem o que deveis fazer. Ou supondes que, ouvindo explicações, ficareis aptos a compreender os problemas que desafiam a cada um de nós. Mas eu penso que estais cometendo um grave erro, se esperais que, pelo simples fato de ouvirdes uma ou duas palestras, sem prestardes muita atenção, sereis guiados à compreensão dos nossos múltiplos problemas. Não é, em absoluto,  minha intenção explicar-vos de maneira simplesmente verbal ou intelectual, os problemas que se nos apresentam; antes, pelo contrário, o que vamos tentar, durante estas palestras, é penetrar muito mais fundo na causa fundamental que torna todos esses problemas tão complicados e tão infinitamente dolorosos e aflitivos.

Peço-vos tenhais paciência para escutar, sem vos deixardes levar por palavras e sem objetardes a esta ou àquela frase ou ideia. Necessita-se de infinita paciência para descobrir o que é verdadeiro. Os mais de nós temos pressa, queremos resultado, queremos bom êxito, um objetivo, um certo estado de felicidade, ou experimentar algo a que a mente possa prender-se, apegar-se. Mas o que se necessita, penso eu, é de paciência e perseverança no buscar, sem se ter nenhum fim em vista. Quase todos nós buscamos alguma coisa, e por isso vos achais aqui; em nossa busca, porém, queremos achar algo, um resultado, um alvo, um “estado de ser” de felicidade e paz; nossa busca, por conseguinte, já está determinada e, portanto, deixa de ser uma verdadeira busca. Acho de muita importância compreender-se isto. Quando a mente busca um determinado estado, a solução de um problema, quando busca a Deus, a Verdade, ou deseja certa experiência, mística ou de outra ordem, ela já a concebeu e formulou, é infinitamente vã a sua busca. E uma das coisas mais difíceis é libertarmos a mente desse desejo de resultado.

A meu ver, os nossos incontáveis problemas só podem ser resolvidos quando ocorrer uma revolução fundamental da mente, porque só uma revolução dessa ordem pode proporcionar a compreensão do Verdadeiro. Nessas condições, importa compreendermos o funcionamento de nossa própria mente, não por um processo de autoanálise ou introspecção e, sim, pelo percebimento claro do seu processo total; e é este processo total que desejo investigar nestas palestras. Se não nos vemos como somos, se não compreendemos o “pensador” — a entidade que busca, que está perpetuamente a exigir, a interrogar, a querer descobrir, a entidade que está criando o problema, isto é, o “eu”, o “ego” — então, o nosso pensar, a nossa busca, não terá significação alguma. Enquanto o nosso “instrumento de pensar” não for lúcido, enquanto estiver pervertido, condicionado, tudo o que pensarmos há de ser, inevitavelmente, limitado, estreito.

Nosso problema, pois, é de como libertarmos a mente de todos os condicionamentos, e não “de que maneira condicioná-la melhor”. Compreendeis, senhores? Quase todos nós estamos em busca de um condicionamento melhor. Os comunistas, os católicos, os protestantes e as demais seitas, por todo o mundo, inclusive hinduístas e budistas — todos visam a condicionar a mente de acordo com um padrão mais nobre, mais virtuoso, mais abnegado, ou um padrão religioso. Cada indivíduo no mundo inteiro, está inteiramente interessado em condicionar sua mente de uma maneira melhor, e nunca se levanta a questão do libertar a mente de TODO E QUALQUER condicionamento. Mas quer-me parecer que, enquanto a mente não estiver livre de todo o seu condicionamento, isto é, enquanto estivermos condicionados como cristãos, budistas, hinduístas, comunistas, etc., não pode deixar de haver problemas.

Sem dúvida, só é possível descobrir o que é real ou se existe Deus, quando a mente está livre de todo condicionamento. A mera ocupação da mente a respeito de Deus, da verdade, do Amor, não tem realmente nenhuma significação, porquanto essa mente só pode funcionar dentro da esfera de seu condicionamento. O comunista que não crê em Deus, pensa de um modo, e o homem que crê em Deus, que está ocupado com um dogma, pensa de um outro modo; mas a mente de todos os dois está condicionada e, portanto, nem um nem outro é capaz de pensar livremente, e todos os seus protestos, suas teorias e crenças muito pouco significam. Religião, pois, não é frequentar a igreja, ter certos dogmas e crenças. Religião deve ser uma cosia de todo diversa, pode significar a total libertação da mente de toda esta vasta e secular tradição; porque só a mente livre é que pode achar a verdade, a realidade, aquilo que transcende todas as projeções mentais.

Pode-se ver que isto não é uma teoria pessoal, minha, se observarmos o que está acontecendo no mundo. Os comunistas pretendem solucionar os problemas da vida de uma maneira, os hinduístas de outra maneira, os cristãos ainda de outra maneira; a mente de todos eles, por consequência, está condicionada. Vossa mente está condicionada como cristã, quer admitais, quer não. Podeis libertar-vos superficialmente da tradição cristã, mas camadas profundas do vosso inconsciente estão cheias dessa tradição, condicionadas por séculos de educação segundo um determinado padrão; e, por certo, a mente que deseja achar algo mais além — se tal coisa existe — essa mente tem de libertar-se, em primeiro lugar, de todo condicionamento.

Fica entendido, pois, que nestas palestras não vamos de modo nenhum tratar da questão do aperfeiçoamento pessoal, nem tão pouco interessa o aperfeiçoamento de nenhum padrão; não pretendemos condicionar a mente segundo um padrão mais nobre, ou um padrão de maior alcance social. Pelo contrário, o que pretendemos é descobrir como libertar a mente, a consciência total de todo condicionamento, porque, a menos que isso aconteça, nunca haverá o experimentar da realidade. Podeis falar sobre a realidade, ler inúmeros volumes a seu respeito, ter todos os livros sagrados do Oriente e do Ocidente, mas se vossa mente não estiver cônscia de seus próprios processos, não perceber que ela própria está funcionando dentro de um determinado padrão, e não for capaz de libertar-se desse condicionamento, é bem de ver que sua busca será sempre vã.

Nessas condições, parece-me da maior importância comecemos por nós mesmos, comecemos por estar cônscios de nosso próprio condicionamento. E como é difícil uma pessoa saber que está condicionada! Superficialmente, nas camadas conscientes da mente, podemos perceber que estamos condicionados; podemos libertar-nos de um padrão e adotar outro, abandonar o Cristianismo e nos tornarmos comunistas, deixar o Catolicismo e aderir a outro grupo igualmente tirânico, e, assim fazendo, pensar que estamos volvendo para a Realidade. Mas isso, pelo contrário, é mera troca de prisões.

Todavia, isto é o que quase todos queremos: encontrar um lugar seguro, no nosso pensar. Queremos seguir um padrão fixo e não ser perturbados em nossos pensamentos, em nossas ações. Mas só a mente capaz de observar com paciência o seu condicionamento e dele libertar-se, só essa mente é capaz de uma revolução, uma transformação radical, e descobrir, assim, o que se acha infinitamente além da mente, além de todos os nossos desejos, nossas vaidades e paixões. Sem o autoconhecimento, sem nos conhecermos exatamente como somos — e não como gostaríamos de ser, que é simples ilusão, figa idealística — sem conhecermos os movimentos do nosso pensar, todos os nossos “motivos”, nossos pensamentos, nossas inumeráveis reações, não haverá possibilidade de compreendermos a ultrapassarmos o processo do pensar.

Tiveste o trabalho e o incômodo de vir aqui, nesta tarde quente, para ouvir esta palestra. Mas eu estou a me perguntar se realmente estais escutando. Que é escutar? Acho importante examinarmos isso um pouquinho, se não vos desagradar. Estais realmente escutando, ou apenas interpretando segundo o vosso próprio entender? Sois capazes de escutar a alguém? Ou dar-se-á que, no processo de escutar, estão surgindo pensamentos e opiniões vários, e por conseguinte os vossos conhecimentos e experiência própria estão intervindo, pondo-se de permeio entre o que se está dizendo e a vossa compreensão?

Acho importante se compreenda a diferença entre “atenção” e “concentração”. A concentração implica escolha, não é verdade? Estais procurando concentrar-vos no que estou dizendo e, por conseguinte, a vossa mente está focada, estreitada, e outros pensamentos estão intervindo; assim sendo, não há um verdadeiro escutar, mas, sim, uma batalha que se está travando na mente, um conflito entre o que estais escutando e o vosso desejo de traduzi-lo, de aplicar o que estou dizendo, etc. Mas, por outro lado, a atenção é uma coisa completamente diferente. Na atenção não há enfoque, não há escolha; há percebimento completo, sem interpretação. E, se somos capazes de ouvir tão atenta e completamente o que se está dizendo, esta mesma atenção produzirá o milagre da transformação, na própria mente.

Estamos falando a respeito de algo de imensa importância, porque, se não houver uma revolução fundamental em cada um de nós, não percebo como será possível operarmos uma vasta e radical transformação no mundo. E esta transformação radical, decerto, é sumamente relevante. A mera revolução econômica, de caráter comunista ou socialista, é destituída de qualquer importância. Só pdoe haver revolução de natureza religiosa; e a revolução religiosa não será possível se a mente está apenas ajustada ao padrão de um condicionamento anterior. Enquanto uma pessoa for cristã ou hinduísta, não poderá haver revolução fundamental, no sentido verdadeiramente religioso da palavra. E nós temos real necessidade desta revolução. Quando a mente estiver livre de todo condicionamento, ver-se-á surgir a ação criadora da Realidade, de Deus, ou o nome que preferirdes; e só a mente que se acha nesse estado, a mente que está a experimentar constantemente essa criação, só ela poderá criar uma perspectiva nova, valores diferentes, um mundo diferente.

É, pois, importante compreendermos nós mesmos, pois não? O autoconhecimento é o começo da sabedoria. O autoconhecimento não se consegue de acordo com algum psicólogo, livro ou filósofo; ele consiste em conhecermos a nós mesmos tais como somos, de momento a momento. Compreendeis isso? Conhecer a si mesmo é cada um observar o que pensa, o que sente, não apenas superficialmente, pois devemos estar profundamente cônscios do que é, sem condenação, sem julgamento, sem avaliação ou comparação. Experimentai-o, e vereis como é difícil a uma mente que foi exercitada durante séculos para condenar, julgar e avaliar, deter todo esse processo e ficar simplesmente a observar o que é. Entretanto, se não se fizer esta observação, não apenas no nível superficial, mas em todo o conteúdo da consciência, nunca será possível penetrarmos as profundezas da mente.

Vêde, por favor, se aqui estais realmente com o fim de compreender o que se está dizendo, que é isto que deve interessar-nos, e nada mais. Vosso problema não é o de saber a que sociedade pertencer, a que gênero de atividade entregar-vos, que livros ler, e outras superficialidades dessa ordem, mas, sim, de saber como libertar a mente do condicionamento. A mente não é apenas a consciência desperta, ocupada com as atividades diárias, mas é também as camadas profundas do inconsciente, onde se encontra todo o resíduo do passado, da tradição, dos instintos raciais. Tudo isso é a mente, e amenos que essa consciência total seja livre, de ponta a ponta, a nossa busca, nossa investigação, nosso descobrimento, será limitado, estreito, insignificante.

A mente está toda condicionada. Não há uma só parte da mente que não esteja condicionada. Nosso problema, portanto, é este: Pode a mente, assim condicionada, libertar-se? E quem é a entidade que poderá libertá-la? Compreendeis o problema? A mente é a consciência total, com todas as suas camadas de conhecimentos, aquisições, tradições, instintos raciais, memórias. Esta mente pode libertar-se? Ou só pode libertar-se ao perceber que está condicionada e que todo movimento que faça para sair de seu condicionamento é outra forma de condicionamento? Espero que estejais compreendendo. Se não, continuaremos a examinar esse ponto dos próximos dias.

A mente está toda condicionada, o que é um fato evidente, se refletimos a tal respeito. Isso não é invenção minha, é um fato. Pertencemos a uma dada sociedade, fomos educados de acordo com determinada ideologia, certos dogmas, tradições, e a vasta influência da civilização, da sociedade, condiciona-nos incessantemente o espírito. Como pode esse espírito ser livre, se todo movimento para libertar-se resulta de seu condicionamento e, por conseguinte, produzirá, forçosamente, mais condicionamento? Só há uma resposta: a mente só pode ser livre quando está completamente  tranquila. Embora tenha problemas e inúmeros impulsos, conflitos, ambições, se —  mercê de autoconhecimento, da autovigilância sem aceitação ou condenação — ela estiver cônscia, imparcialmente, do seu próprio processo, então, desse percebimento há de resultar um silêncio extraordinário, uma tranquilidade de espírito em que não se observa movimento de espécie alguma. É só então que a mente é livre, porquanto nada mais deseja, nada mais busca, não visa a nenhum objetivo ou ideal — que são as projeções de toda mente condicionada. E se logrardes alcançar essa compreensão em que não há automistificação, encontrareis a possibilidade de vir surgir aquela coisa extraordinária que se chama criação. Só então a mente está apta a compreender aquela imensidade que se pode chamar Deus, a Verdade, ou como quiserdes — a palavra tem muito pouca importância. Podeis ser prósperos, socialmente possuir muitos bens — automóveis, casas, geladeiras — ter paz superficial, mas, sem o surgimento daquilo que é imensurável, encontrareis sempre aflições. A libertação da mente de seu condicionamento é o fim do sofrimento. 

Krishnamurti - Realização Sem Esforço - Capítulo 1 - páginas 5 à 12 - 1955, Ojaí, Califórnia, USA

Você é o resto da humanidade



Primeira palestra de Jiddu Krishamurti em Washington D.C. em 1985. Com legendas em português. 

Jiddu Krishnamurti nasceu em 11 de maio de 1895 em Madanapele, uma pequena vila no sul da Índia. Ele e seu irmão foram adotados em sua juventude pela Dra. Annie Besant, então presidente da Sociedade Teosófica. Dra. Besant e outros proclamaram que Krishnamurti seria o instrutor do mundo, vindo como os teosofistas haviam previsto. Para preparar o mundo para sua chegada, uma organização internacional chamada Ordem da Estrela do Oriente foi formada e o jovem Krishnamurti tornado seu líder. 

 Em 1929, entretanto, Krishnamurti renunciou ao papel que lhe fora destinado, dissolveu a Ordem com seus inúmeros seguidores e devolveu todo o dinheiro e a propriedade doados para seu trabalho. 

 A partir de então, por quase sessenta anos, até sua morte em 17 de fevereiro de 1986, ele viajou pelo mundo falando para grandes audiências e indivíduos sobre a necessidade de uma mudança radical na humanidade. 

Krishnamurti é tido mundialmente como um dos maiores pensadores e instrutores religiosos de todos os tempos. Ele não apresentava nenhuma filosofia ou religião, mas falava sobre coisas que preocupam a todos nós em nossa vida diária, dos problemas do viver numa sociedade moderna com sua violência e corrupção, da busca individual por segurança e felicidade e da necessidade da humanidade de se livrar do peso interior do medo, da dor e da tristeza. Ele explicou com grande precisão o funcionamento da mente humana e apontou a necessidade para trazer à nossa vida diária uma qualidade profundamente meditativa e espiritual. 

Krishnamurti não pertencia a nenhuma organização religiosa, seita ou país, nem estava associado a qualquer escola política ou pensamento ideológico. Pelo contrário, ele afirmou que estes são os verdadeiros fatores que dividem os seres humanos e que trazem o conflito e a guerra. Ele lembrava incessantemente aos seus ouvintes que antes de sermos hindus, muçulmanos, ou cristãos, somos seres humanos, que somos iguais ao resto da humanidade e que não somos diferentes uns dos outros. Ele pediu que andemos suavemente por esta terra sem nos destruir ou ao meio ambiente. Ele transmitiu aos seus ouvintes um profundo senso de respeito pela natureza. Seus ensinamentos transcendem os sistemas de crenças feitos pelo homem, o sentimento de nacionalismo e de sectarismo. Ao mesmo tempo, eles dão um novo sentido e direção à busca da humanidade pela verdade. Seus ensinamento, além de serem relevantes à idade moderna, são atemporais e universais. 

Krishnamurti não falava como um guru, mas como um amigo. Suas palestras e discussões não são baseadas num conhecimento tradicional, mas em seus próprios vislumbres sobre a mente humana e sua visão do sagrado, portanto ele sempre transmite uma sensação de frescor e clareza, apesar da essência de sua mensagem ter se mantido inalterada através dos anos. Quando se dirigia a grandes audiências, as pessoas sentiam que Krishnamurti estava falando com cada uma delas pessoalmente, sobre seus problemas em particular. Em suas entrevistas privadas ele era um professor compassivo, ouvindo atentamente o homem ou mulher que vinha a ele em sofrimento, encorajando-o a curar a si mesmo através do seu próprio entendimento. Estudiosos de religião descobriram que suas palavras lançavam uma nova luz aos conceitos tradicionais. Krishnamurti aceitou desafios de cientistas modernos e psicólogos e os acompanhou passo a passo, discutiu suas teorias, eventualmente capacitando-os a enxergar os limites dessas teorias. Krishnamurti deixou um imenso acervo em forma de discursos públicos, escritos, discussões com professores e estudantes, com figuras religiosas e científicas, conversas com indivíduos, entrevistas em televisão e rádio e cartas. Muito deste material foi publicado como livros, áudio e vídeos.

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