segunda-feira, 16 de maio de 2011

Uma Radical Revolução

Uma Radical Revolução


Pergunta : Falais da necessidade de uma radical revolução na vida do indivíduo. Se ele não desejar revolucionar o seu ambiente pessoal externo, por causa do sofrimento que acarretaria para a família e os amigos, poderá uma revolução interna conduzi-lo à libertação de qualquer conflito?

Krishnamurti: Primeiramente, senhores, não achais também necessária uma revolução radical na vida do indivíduo? Ou estais satisfeitos com as coisas tais como são, com vossas idéias de progresso e evolução, vossos desejos de realizações, vossos anseios é vossos prazeres precários?  No momento em que começardes a pensar realmente, a sentir realmente, sereis empolgados desse ardente desejo de modificação profunda, revolução radical, completa reorientação do pensar. Pois bem. Se sentirdes necessária tal coisa, então, nem família, nem amigos constituirão empecilhos Porque, nesse caso, não haverá revolução externa nem revolução interna; haverá, simplesmente, revolução, modificação. Mas, se começais a estabelecer restrições, dizendo: "não devo magoar minha família, meus amigos, meu pároco, meu explorador capitalista ou meu explorador político" - não vedes então a necessidade de mudança radical e apeteceis apenas mudança de ambiente. Isso é evidente letargia, a qual criará outro ambiente falso, fazendo continuar o conflito.
Parece-me um tanto falaz o pretexto de não devermos magoar nossas famílias e amigos. Por certo, quando desejais fazer algo de capital importância, vós o fazeis, sem considerações de família nem de amigos, não é verdade? Não receais, então, prejudicá-los. Isso já não está sob vosso controle: sentis tão intensamente, pensais tão completamente, que sois transportados para fora das limitações dos círculos de família, das obrigações de qualquer classe. Mas só começais a levar em conta a família, os amigos, os ideais, as crenças, as tradições, a ordem estabelecida - só começais a tomá-los em consideração quando ainda vos apegais a uma determinada segurança, quando vos falta aquela riqueza interior de que vos falei há pouco, e, em lugar dela, existe apenas a dependência de estímulos exteriores. Assim, pois, se existe plena consciência do sofrimento, despertada pelo conflito, não estais, então, tolhidos pelos vínculos de qualquer ortodoxia, amigos ou família: quereis achar a causa do sofrimento, quereis descobrir o significado do ambiente que recria esse conflito; apagou-se a personalidade, desapareceu a idéia limitada do "eu". É somente quando vos apegais a essa idéia limitada do "eu", que sois obrigados a considerar até onde vos podeis transportar e até onde não deveis ir.
Certo, não se pode encontrar a verdade, ou essa faculdade divina da compreensão, enquanto estivermos apegados à família, à tradição, ou ao hábito. Ela só poderá encontrar-se quando estiverdes em plena nudez, despidos de vossos desejos, esperanças e cautelas. Nessa simplicidade direta está a riqueza da vida.

Pergunta: Como posso agir livremente e sem auto-repressão, quando sei que minha ação deverá magoar os que amo? Num caso desses, de que maneira podemos reconhecer a ação justa?

Krishnamurti: Creio haver respondido a essa pergunta, há dias, mas como é possível que não estivesse presente o seu autor, responderei de novo a ela. O característico da ação justa é a espontaneidade, mas proceder espontaneamente é revelar profunda inteligência. A maioria dos indivíduos têm somente reações, desvirtuadas, desfiguradas, sufocadas, pela falta de inteligência. Quando opera a inteligência, é espontânea a ação.
Deseja também saber o interrogante como poderá proceder livremente e sem refreamento, quando saiba que sua ação deverá magoar os que ama. Ora, amar é ser livre. No amor, são livres ambas as partes. Se existe a possibilidade de sofrimento, não se trata então de amor, mas, sim, puramente, de uma forma sutil do instinto de posse, do instinto de aquisição. Se amais, se realmente amais alguém, não há possibilidade de lhe causardes dor, fazendo algo que julgueis justo. É somente quando queremos levar a pessoa amada a fazer o que desejamos, ou esta nos quer levar a fazer o que ela deseja, é somente então que existe dor. Isto é, amais a posse. Com ela vos sentis abrigados, seguros, confortáveis. Embora saibais transitório esse conforto, buscais abrigo nele, na sua transitoriedade.  Toda luta em busca de conforto, incitamento, denuncia falta de riqueza interior, e, por conseguinte, cada ação incompatível com um dos amantes cria-lhe na mente perturbação, dor e sofrimento.  Assim, um dos amantes tem de reprimir o que realmente sente, a fim de ajustar-se ao outro. Em suma, essa constante repressão, ocasionada por isso que chamam amor, destrói os dois indivíduos. Em tal amor não existe liberdade; ele é apenas uma forma sutil de escravidão. Quando sentis ardentemente a necessidade de fazer alguma coisa, vós a fazeis, às vezes com astúcia e sutileza, mas a fazeis de qualquer maneira. Existe sempre esse impulso a operar, a agir independentemente.

Krishnamurti – Ojai, Califórnia, 1938

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